Notícias

Tragédia em Suzano: poderia ter sido diferente?

Tamanho da Fonte
19 de março de 2019 às 17:00

Compartilhamos com vocês um texto do Semente, programa de aprendizagem socioemocional que atua no colégio com os alunos do Ensino Médio e do cursinho Pré-Vestibular, sobre o incidente ocorrido na semana passada, em uma escola da capital paulista.

 

 

Quando ocorre uma tragédia como a da semana passada, em Suzano, na Grande São Paulo, um turbilhão de emoções aflora. Tristeza, raiva, medo, tudo misturado e em grande intensidade.

Depois do espanto inicial, da sensação de impotência, do impacto do fato, começam a surgir os questionamentos: por que a escola não era mais bem protegida? Jogos eletrônicos estimulam a violência? A culpa é das redes sociais? O problema são as armas? Embora pertinentes, nenhuma dessas perguntas toca, a nosso ver, numa questão crucial: como as escolas podem contribuir para que essas tragédias não se repitam?

Averdade é que os dois garotos que cometeram esse ato insensato, que levou à morte de dez pessoas, não tomaram de uma hora para outra a decisão de entrar atirando na escola em que estudaram. Fala-se em mais de um ano de planejamento. Por isso, muito provavelmente, houve pistas de que isso poderia acontecer. E as famílias, os professores, os amigos, a polícia não conseguiram identificá-las.

Falar sobre as próprias emoções, sobre as próprias inseguranças, sobre as próprias frustrações não é fraqueza e, por isso, não deveria ser condenado. Ao contrário, deveria ser uma postura incentivada, valorizada, aplaudida. Porque reconhecer as próprias emoções é o primeiro passo para aprender a lidar com elas. E a escola pode ser um ambiente propício para estimular o acolhimento, a compreensão, a solidariedade. Se a criança, se o adolescente, se o jovem percebe que professores, coordenadores, diretores estão preparados para ouvir de maneira empática, será mais fácil criar um canal de diálogo permanente com os alunos e com as alunas – e esse canal precisa funcionar como um lugar de escuta, de apoio, de motivação, de entendimento.  Programas estruturados de aprendizagem socioemocional, como o Programa Semente, podem contribuir decisivamente para a difícil missão de tornar a escola um ambiente cada vez mais acolhedor. Lidar com a diversidade, manter relações afetivas saudáveis, tratar os outros como gostaríamos de ser tratados, evitar prazeres que poderão trazer desprazeres, estabelecer metas e cumpri-las, reconhecer sentimentos inapropriados ao que estamos vivendo, ouvir antes de julgar, aceitar o que não pode ser mudado e dar mais atenção para as coisas que estão sob nosso controle, tudo isso pode ser ensinado e estimulado ao longo da vida escolar.

É claro que uma tragédia como essa suscita raiva, uma emoção ligada à percepção de injustiça. O perigo da raiva é quando ela provoca desejos de vingança, gerando um ciclo de violência. Isso não resolve o problema. Menos ainda nesse caso, em que os atiradores se mataram. Aliás, eles só fizeram o que fizeram porque estavam tomados pela raiva.

Na verdade, a raiva só é útil se ela combate as causas que a geraram. Por isso, precisamos compreender o que ocorreu, de maneira serena, e certamente não existe um único “culpado” por essa tragédia. Uma das formas de fazer com que isso não se repita é não estigmatizando aqueles que se sentem incompreendidos, isolados, excluídos, como se não pertencessem a grupo algum.  O medo também ganha força nessas situações. Pode ser medo de que outros massacres ocorram, medo de continuar estudando, medo de sair de casa. São medos compreensíveis, mas, aos poucos, percebemos que os perigos estão mais na imaginação do que na realidade e que é necessário seguir em frente, que é uma das melhores formas de homenagear as pessoas que foram covardemente assassinadas. Não podemos ficar paralisados. Quando estamos atravessando uma crise, tudo que temos que fazer é continuar andando. Só assim é possível deixá-la para trás.  Por fim, vem a tristeza. Tristeza pela perda dos amigos, das professoras, da segurança. É preciso viver esse luto.

Mas, em tragédias desse porte, as conexões emocionais entre as pessoas que ficam costumam se fortalecer. Assim, reconhecemos, a duras penas, que os laços afetivos importam mais do que qualquer outra coisa para a satisfação pessoal.

Gostaríamos de que tudo isso fosse discutido, ensinado, apresentado em cada escola do país. Por isso, criamos o Programa Semente. Porque acreditamos que histórias de vida, como a dos dez mortos em Suzano, poderiam ter sido diferentes.

 

Eduardo Calbucci e Celso Lopes de Souza

são os fundadores do Programa Semente

Leia também